Descrição para cegos: Ana Maria numa agência da previdência social. Ela usa muletas e sorri para a foto. Atrás dela, alguns guichês. Foto: Diana Reis |
Conheça um pouco da história de vida de Ana Maria. Ela contraiu paralisia infantil por volta dos dois anos, tornando-se deficiente. Formada em Serviço Social, na juventude lutou pelos direitos dos deficientes, participando inclusive da construção da Constituição de 1988. Hoje, ela trabalha no INSS auxiliando pessoas que sofreram acidentes ou adquiriram doenças no trabalho. Ana Maria é a prova viva de que a deficiência não é um ponto final. “Todo mundo tem uma missão, senão não teríamos nem nascido. E acho que a minha é contribuir para uma sociedade melhor”, disse. (Vanessa Mousinho)
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, já disse Euclides da Cunha, em Os Sertões. E é exatamente isso que enxergamos na trajetória de vida de muitos nordestinos. Ana Maria Barbosa de Lima nasceu no município de Boqueirão, na Paraíba, em 1965. Filha de agricultores, ela cresceu em um ambiente onde ser forte era imperativo, já estava no sangue – que carregava uma história de luta e enfrentamento aos percalços da vida.
Por volta dos dois anos de idade foi infectada pelo vírus da paralisia infantil, durante o surto que houve no Brasil na época. Como sequela, ela ficou com deficiência física na perna esquerda, tendo que andar com o auxílio de muletas. Aos 5 anos de idade, começou a andar de fato, porque sempre foi muito levada. Seu vizinho produziu bengalas de madeira para que ela treinasse até se acostumar com a nova forma de locomoção. Depois, ela passou a usar muletas de madeira, que tinham de ser trocadas com frequência, para acompanhar seu crescimento ou substituir alguma que era quebrada numa brincadeira de barra bandeira com outras crianças.
A mais velha de 9 irmãos cresceu cuidando e sendo cuidada por eles. Algumas vezes andava com uma muleta só, carregando um dos irmãos, que ia pendurado no braço dela e segurando em seu cabelo para não cair. “Quando eu não conseguia andar de muletas, meus irmãos ou primos me levavam em carroças, carrinho de mão, na corcunda, onde fosse, que não tinha problema”, conta. Na época em que começou a estudar, ganhou um jumento para ir até a escola, já que morava um pouco afastada do povoado e não havia transporte. Pouco tempo depois, ganhou um cavalo. “Meus pais me ensinaram a subir nele. No começo, eu usava um tamborete, mas depois aprendi a subir e descer sem problema, sem ajuda de ninguém. Subia pela cabeça do animal, por todo canto”, diz.
“Minha deficiência não me impediu de fazer nada, eu acho até que me ajudou em algumas coisas, porque sempre fui estimulada pela minha família que sempre dizia que eu tinha que estudar porque não iria conseguir trabalhar em qualquer coisa. Assim, fui a única com curso superior na minha casa”. Ana se formou em Serviço Social, em Campina Grande, no ano de 1986. Ela, que sempre se envolveu em movimentos durante a juventude, viajou pelo Brasil e por vários países representando o movimento da pessoa com deficiência. Além disso, participou ativamente na construção da Constituição de 1988, inclusive através de criação de emenda popular, colhendo assinaturas nas ruas.
Em 2003, Ana prestou concurso para o INSS, e foi trabalhar em Brasília. Lá, passou cinco anos, até que pediu remoção para João Pessoa no ano de 2008. Aos 49 anos, hoje ela é Analista do Seguro Social do INSS na área de Reabilitação Profissional da Agência Cabedelo. “Algumas pessoas chegam aqui e me perguntam por que eu ainda estou trabalhando, por que não estou aposentada”, fala. “As pessoas têm essa concepção de que pessoas com deficiência são incapazes, de que não servem para a sociedade, já que não seguem os conceitos de normalidade, os padrões impostos. E isso é por falta de informação mesmo, às vezes excesso de proteção da família também, o que acaba se transformando em discriminação”, completa.
No INSS, os segurados que Ana atende são, em geral, pessoas que sofreram acidentes – na maioria de trânsito – ou adquiriram doenças no trabalho – como problemas de coluna ou lesão por esforço repetitivo, que incapacitam por conta dos esforços físicos. Ela analisa o potencial laborativo deles e todo o contexto social no qual se encontram inseridos, para, assim, encaminhá-los de volta à empresa onde já trabalhavam em outra função ou em cursos de capacitação para que possam exercer um novo cargo.
Para Ana, existe uma cultura da aposentadoria por invalidez, na qual alguns segurados acreditam que estão incapazes para qualquer atividade, quando, de fato, estão somente para algumas. “Isso também é reflexo do que a sociedade pensa deles. Tento sempre usar o meu exemplo, para mostrar a eles que nós não podemos criar resistência para estar no mercado de trabalho. Alguns dizem que só estou aqui porque estudei, então eu respondo que eles também podem fazer o mesmo, e os estimulo a elevar o nível de escolaridade”.
Solidariedade também é uma palavra presente nas ações de Ana. Algumas vezes, quando vê alguém sair da sala do médico do INSS com um papel na mão e sem entender direito o que fazer, ela oferece ajuda para explicar e solucionar o problema daquela pessoa. “É preciso estar preocupado com o outro, parar de achar que todo mundo só quer ser sabido. As pessoas são muito simples, e se você tem a oportunidade de saber das coisas, de poder repassar isso e resolver os problemas delas, precisamos fazer”, comenta.
Sem criar dificuldades para deixar de fazer as coisas, ela tem uma postura diante da vida que muitos, sem deficiência, não têm. “Sei das minhas limitações, mas eu sempre imagino que eu tenho que andar pra frente, olhando pra cima. E vejo que nós, tendo deficiência ou não, temos um objetivo para ter vindo pra cá. Todo mundo tem uma missão, senão não teríamos nem nascido. E acho que a minha é contribuir para uma sociedade melhor”.
Texto: Dayse Costa
Fonte: http://revistaconhecer.wordpress.com/2014/04/14/a-forca-de-quem-nasceu-para-inspirar/
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