Descrição para cegos: a imagem em preto e branco mostra o dedo indicador de uma mão levado à boca, num gesto de quem pede silêncio. |
Apartheid contra a
pessoa com deficiência
Por Ana Paula Crosara
Vivemos em um mundo onde muito se fala sobre
Direitos Humanos, mas o desrespeito permanece em pauta para muitos dos humanos.
Na maioria das vezes, no imaginário coletivo, quando se fala em direitos
humanos associamos com cadeias lotadas, práticas cruéis e de tortura para
presos. Ocorre que, existem várias pessoas que, apesar de serem gente, da mesma
espécie científica dos homo sapiens, parecem invisíveis e não são facilmente
associadas às questões que envolvem direitos humanos.
Estou falando das pessoas com deficiência, que em
muitos casos não cometeram nenhum crime e que ainda pagam impostos, mas são
excluídas da possibilidade de usufruir de direitos humanos básicos,
simplesmente por conviverem diariamente com uma deficiência que receberam de
“presente da vida”.
Importante esclarecer que a deficiência
dessas pessoas é só mais uma característica dentre as várias que todo mundo
possui, mas comumente é representativa dessas pessoas, como se a pessoa fosse
sua deficiência, o que é um absurdo!
Muitos dos meus leitores vão dizer que não, que
as pessoas com deficiência também são sujeitos de direitos, inclusive os
humanos e universais, e que a legislação brasileira e até a nossa Constituição
não fala em diferentes níveis de cidadania.
Tudo muito lindo até aparecer uma pessoa com deficiência no mundo real e que queira estudar na sua escola, ler os livros que você publicou, trabalhar na sua empresa, divertir-se no seu estabelecimento de lazer, até mesmo frequentar a sua igreja, assistir a um casamento ou fazer uma visita à sua casa ou local de trabalho.
O pânico aumenta se essa pessoa se recusar a ser carregada ou se simplesmente apontar que o problema é a escada, a falta de livro no formato acessível, a ausência de áudio-descrição na propaganda linda que você colocou na televisão, ou a falta de acessibilidade virtual no sítio da sua empresa. Bom, a sua casa estaria resguardada não fosse aquela vontade incontrolável de sua visita que, depois de uns aperitivos precisa, como toda pessoa, usar o banheiro.
E agora?
Você não sabia e não foi informado/a que em uma
porta de 60 centímetros não passa uma cadeira de rodas? Você não tem obrigação
de saber que o livro impresso não atende todas as necessidades de todos os
leitores e que isso pode ser considerado, pelo código do consumidor, um
defeito?
E você que é o responsável pela igreja esqueceu
que a porta lateral – aquela onde tem a rampa exigida pela Prefeitura –
precisava estar aberta? Será que pedir desculpas vai adiantar alguma coisa ou
só vai piorar a raiva pela exclusão tácita que a pessoa está sentindo?
A escola não pode recusar a matrícula porque é
crime, mas ela cria tanta confusão na hora em que é informada sobre a
deficiência da criança que muitos pais preferem não expor seus filhos a tamanha
discriminação. É por isso que afirmamos que vivemos num APARTHEID silencioso
contra as pessoas com deficiência.
Ninguém diz que não se pode entrar na igreja,
só que a porta, quando existe, está trancada e ninguém tem a chave e ainda
pior, ninguém pensa em como abrir a porta, mas em como se livrar daquela pessoa
com deficiência ou em como evitar a presença dela para não mostrar a
incoerência entre o discurso e a prática.
Naquele momento o problema é a presença da
pessoa com deficiência e simplesmente é bastante complexo para a pessoa, nessas
situações de “crises”, que só quer participar mostrar que o problema é a falta
de acessibilidade ou o desrespeito aos direitos daquele ser humano ali diante
de você. E no imaginário coletivo e na vida real vamos criando mais e mais
barreiras para separar essas pessoas do nosso convívio.
Transporte acessível?
Só especial e separado porque não podemos
imaginar que uma pessoa queira sair de sua casa e viver... E por falar nisso,
quando encontramos alguém com deficiência que está aí no mesmo lugar que você,
batalhando por sua independência como a maior parte dos brasileiros e das
brasileiras, logo rotulamos – EXEMPLO DE VIDA, não queremos saber de fato o que
ela faz, mas para segregar colocamos em outra categoria dos que devem ser
admirados... Porque assim fica mais fácil deixá-los longe de nosso convívio.
Mas ainda nos resta uma esperança que a
Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, primeiro Tratado
Internacional de Direitos Humanos, elaborada pela ONU e com caráter vinculante,
seja ratificada pelo Brasil, com quorum qualificado para dar visibilidade a
14,5% da população, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2000 para que
possa ser usada como arma de enfrentamento mundial desse terrível APARTHEID
silencioso e que você pode contribuir e muito para sua manutenção se continuar
omisso e fazendo de conta que não vê tudo o que disse acima.
Por isso e muito mais, queremos que essa
Convenção seja rotulada como a Convenção contra o APARTHEID das pessoas com
deficiência.
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