terça-feira, 9 de agosto de 2016

Inserção ou inclusão?

Descrição para cegos: à esquerda, Kézia Nascimento, na cadeira de rodas, em um vestido florido. À direita, Francisco Izidoro, presidente da Asdef - Associação de Deficientes e Familiares, tendo em mãos um exemplar do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Por Samuel Amaral

Muita gente pode pensar que são sinônimos, mas na grande maioria das vezes, inserir pessoas com deficiência no mercado de trabalho não representa incluí-las na sociedade.
A Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência já existe há mais de 25 anos e assegura a inserção dessa parte da população no mercado de trabalho. Ela determina que empresas com mais de 100 empregados devem reservar porcentuais mínimos de vagas para pessoas com deficiência no seu quadro de funcionários: de 2 a 5% nas que contam com até 200 funcionários; 3% em empresas que têm de 201 a 500 funcionários; e 4% para as que dispõem de 501 a 1000 postos de trabalho. No entanto, segundo dados do Ministério do Trabalho, dos 45,6 milhões de deficientes brasileiros, apenas 306 mil encontram-se em algum tipo de atividade formal.


O MENOS DEFICIENTE
Para Francisco Izidoro, presidente da Asdef (Associação de Deficientes e Familiares), apesar dos avanços que a lei proporcionou à empregabilidade das pessoas com deficiência, ela se preocupou apenas em obrigar as empresas a fornecer os postos de trabalho, e não a se adaptarem para receber essa mão-de-obra específica. Portanto, inserindo, mas não incluindo.
Segundo ele, o texto atual precisa de atualizações: “A ideia que prevalece até hoje é que a obrigação da empresa é apenas contratar deficientes. Não se discutia ou não se dava muita importância à forma de contratação.”
Francisco Izidoro explica que “as empresas buscam o deficiente menos deficiente possível: se sua deficiência for no dedo mindinho da mão, melhor! Isso significa dizer que aqueles que têm uma limitação maior, ou que requerem uma estrutura mais acessível e adequada, como o deficiente visual ou o cadeirante, por exemplo, estão fora do mercado. As empresas não têm compromisso com a acessibilidade! Se for cadeirante, que raramente contratam, eles não podem ir ao banheiro porque não passam pela porta; precisam da ajuda dos colegas para subir um lance de escadas. A obrigação das empresas não é só contratar, mas é dar as condições para a pessoa com deficiência desenvolver sua potencialidade”.

MUITAS BARREIRAS A VENCER
Essa foi a realidade de Kézia Nascimento por cerca de 10 anos. Ela é cadeirante e revela que enfrentou muitas barreiras até chegar ao emprego atual, como recepcionista em uma instituição de ensino privada, onde trabalha há um ano e três meses.
Apesar de ser qualificada e ter feito vários cursos, Kézia afirma que sofreu muito preconceito por causa de sua condição: “Experiências negativas foram várias, não só uma! A sociedade acha que a pessoa com deficiência não tem capacidade de entrar no mercado de trabalho; de entrar numa empresa e ser capaz de assumir uma responsabilidade, principalmente com uma pessoa que é cadeirante, porque acham que vai chegar atrasada ao trabalho... Coisas pequenas! É a realidade da sociedade hoje em dia! Das outras pessoas que são cadeirantes, que ficaram comigo na busca do mercado de trabalho, que acordavam de manhã cedo, faziam cursos... Até agora só eu conquistei essa vaga”.

VANTAGENS PARA A EMPRESA
Segundo Francisco Izidoro, a solução para o desrespeito à lei está nos próprios meios legais: “a melhor legislação do mundo em relação à pessoa com deficiência é a nossa! Nós temos na lei solução para quase tudo, só que existe o abismo entre o que está na lei e o que está na prática! Questão cultural se vence com educação, mas também com coação! Se tem uma coisa que empresário nenhum gosta, é de multa, principalmente multa pesada! Isso só se vence com o rigor da lei”.
Talvez a aplicação de multa não fosse nem necessária se os empresários soubessem das vantagens de se contar com uma pessoa com deficiência. Ainda segundo Francisco Izidoro, o ingresso da pessoa com deficiência no mercado de trabalho faz bem não só para ela, mas para empresariado também: “A ideia de que você é útil, é produtivo... E a gente vive numa sociedade capitalista onde aquele que não produz é considerado um pária, um peso morto pela sociedade... Então, a partir do momento em que você começa a trabalhar, viver com o próprio suor, isso faz bem para a autoestima! Ele consegue ser respeitado pela sociedade e pela própria família; muda a forma como a família e a sociedade o vê e, obviamente, muda a forma como ele se vê!
O Presidente da Asdef prossegue: “O empresariado vai ter um trabalhador muito mais empenhado, muito mais fiel à empresa porque ele sabe o quanto foi difícil conseguir aquele emprego! E melhora muito o ambiente de trabalho a partir do momento em que o elemento da diferença passa a conviver dentro do mesmo espaço: muda a mentalidade dos colegas não deficientes!”
E Kézia é um bom exemplo disso e de como a inserção e a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho podem andar juntas: “as portas foram abertas nessa empresa em que trabalho. Gosto de onde trabalho, gosto do que faço! Acordo cedo, saio de manhã, chego à noite... então, para mim abriu as portas, mas, e as outras pessoas? Então fica essa interrogação! ” 

Um comentário:

  1. Parabéns, Samuelzinho, meu amigo querido e muito inteligente. Realmente a indústria ainda é muito preconceituosa com pessoas com deficiência. Nossa, eu vejo geralmente anões trabalhando, que são pessoas mais fácil de se adaptar, nessas empresas. Nunca vejo pessoas cegas, surdas, nem mesmo com moletas. Mesmo eu sendo formada e minha deficiência não sendo incapacitante, já que posso fazer tudo, a aec já me negou duas vezes, devido ao fato da minha aparência ser incomum.

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