domingo, 14 de agosto de 2016

Mesa discutiu o acesso à leitura na era digital

Descrição para cegos: da esquerda para direita, sentados atrás de mesas: Sandra Santiago, Perla Assunção, Antônio Muniz, Joana Belarmino e Helosman de Oliveira. Sobre as mesas há uma jarra e copos com água, microfone e a linha braille de Antônio Muniz. Ele está portando o microfone, falando.
Por Samuel Amaral

Pessoas com Deficiência e o acesso à leitura na era digital foi o tema que norteou as discussões na tarde da quinta-feira (11) no I Seminário Paraibano sobre Acessibilidade ao Livro e à Leitura, realizado no âmbito do projeto Agosto das Letras 2016. Integraram a mesa as professoras Joana Belarmino e Sandra Santiago, da UFPB; Perla Assunção, representante da Fundação Dorina Nowill; Antônio Muniz, presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB); e Helosman de Oliveira, representante da Funad (Fundação de Apoio ao Deficiente). 


IMPORTÂNCIA DA TECNOLOGIA
Para Antônio Muniz, o acesso livre e igualitário à leitura, à informação e à comunicação por parte das pessoas cegas e de baixa visão é assegurado pelo Tratado de Marrakech. Este documento, que no Brasil tem status de emenda constitucional, prevê que as leis nacionais de direitos autorais abram exceções em seus textos para o público com deficiência visual.
De acordo com o presidente da ONCB, o Tratado de Marrakech “transfronteiriza o acesso à leitura”, possibilitando ao público cego e de baixa visão o contato com obras literárias dos países signatários do Tratado, sem ferir a legislação de direitos autorais.
Antônio Muniz também destacou a importância da tecnologia na inclusão da pessoa com deficiência. Segundo ele, os recursos da era digital permitiram que três pessoas videntes (Hellosman, Perla e Sandra) discutissem com duas pessoas cegas (ele e Joana) de forma igualitária, já que ele estava munido de uma linha Braille, um dispositivo de saída tátil para visualização das letras no Sistema Braille.

FORMAR LEITORES
A tecnologia também é uma importante aliada da Fundação Dorina Nowill para fomentar a leitura entre as pessoas com deficiência visual. Além de a Instituição ser a maior fornecedora de livros acessíveis do Brasil, ela também desenvolveu a biblioteca digital “DorinaTeca”, que, segundo Perla Assunção, fornece às pessoas cegas um vasto acervo de livros digitais, falados ou prontos para serem impressos em braile.
Outra importante iniciativa da Fundação Dorina Nowill é o fornecimento de livros digitais acessíveis no formato Daisy: “pensando no papel do leitor nessa era digital, nós temos tanto um acervo digital disponível, como um livro pensado para ser acessível. Ele tem maior navegabilidade, poder ter marcação, contraste, fonte ampliada – tudo através do formato Daisy”, afirmou Perla.
Para ela, independentemente do formato dos livros (em braille, áudio ou Daisy), o importante é garantir o acesso à leitura: “a gente precisa formar leitores. O formato digital ainda é o menos conhecido. Às vezes a gente entra numa discussão se acaba ou não acaba com o braille, ou se ele é melhor ou pior que outro formato [digital] que nem está em uso ainda. O nosso papel é de fomento à leitura e não da negação dos formatos”.

FALTA DE COMPROMISSO
        Em sua exposição, Joana Belarmino afirmou taxativamente que “o mercado editorial não pensa nas pessoas cegas como consumidoras”. Segundo a professora, é a acessibilidade que vem embutida nos smartphones que possibilita a leitura de livros digitais por parte das pessoas cegas, e não o mercado editorial.
Ainda de acordo com Joana Belarmino, as tecnologias digitais só poderão suprir as demandas por acessibilidade ao livro e à leitura quando “todos os agentes da cadeia produtiva começarem a pensar nesse sujeito [pessoa com deficiência] como consumidor e a promover estratégias de acessibilidade”. Além de potenciais consumidores, as pessoas com deficiência devem ser encaradas como “cidadãs que têm direito ao consumo de informação de forma livre e igual”, completou a professora.

DESAFIOS À PESSOA SURDA
        Segundo a professora Sandra Santiago, mesmo na era digital, as pessoas surdas encontram dificuldades de acesso à leitura pela ausência de recursos tecnológicos que viabilizem sua inserção nas sociedades letradas.
Em sua exposição, Sandra ressaltou que as pessoas surdas acessam o mundo da leitura por pelo menos três caminhos diferentes: oralização, gestualização e língua de sinais. “Os surdos são potencialmente bilíngues, porque podem fazer uso de uma língua mais natural para eles, que é a língua de sinais, e fazer uso de uma segunda língua, que é a língua do seu país – no caso do Brasil, a língua portuguesa [...] essa é questão fundamental para compreendermos os dilemas que os surdos enfrentam para acessar o mundo da leitura e da escrita”, afirmou a professora.
Ainda de acordo com Sandra, “os produtores de texto não têm a menor preocupação com essa demanda [das pessoas surdas] e não produzem livros [acessíveis]. Então, o surdo é obrigado a não ler na sua língua”. Isso exige “desse sujeito uma competência ainda maior na segunda língua, já que esse universo de conhecimentos que nós acessamos em língua portuguesa, as pessoas surdas não têm direito de acessar em sua língua”.
Ainda segundo a professora Sandra, mesmo na era digital, faltam recursos tecnológicos que possibilitem à pessoa surda inserir-se na sociedade letrada: “cadê os vídeos? Cadê os livros em vídeo? Cadê transformar isso na língua do surdo, para que a fonte direta de conhecimento esteja garantida? Geralmente não acontece!”, afirmou.

RELEVÂNCIA DAS DISCUSSÕES
Gilson Batista tem deficiência visual. Ele participou das discussões e afirmou que a mesa promoveu uma reflexão importante sobre as novas tecnologias e a acessibilidade do livro digital: “Se formos voltar atrás 15, 20 anos, as coisas eram bem piores! Ainda precisa melhorar muito na questão dos acessos com as plataformas; as editoras precisam começar a disponibilizar os livros em formato digital; e os aplicativos precisam ser acessíveis como os sistemas operacionais”.
A mesa mostrou que há gosto nas letras também por parte das pessoas com deficiência, e que os recursos tecnológicos da era digital podem ser usados para garantir a esse público o direito à leitura, à comunicação e à informação. 

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