Por Samuel Amaral
Pessoas
com Deficiência e o acesso à leitura na era digital foi
o tema que norteou as discussões na tarde da quinta-feira (11) no I Seminário Paraibano sobre
Acessibilidade ao Livro e à Leitura, realizado no âmbito do projeto Agosto
das Letras 2016. Integraram a mesa as professoras Joana Belarmino e Sandra
Santiago, da UFPB; Perla Assunção, representante da Fundação Dorina Nowill; Antônio
Muniz, presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB); e Helosman
de Oliveira, representante da Funad (Fundação de Apoio ao Deficiente).
IMPORTÂNCIA
DA TECNOLOGIA
Para Antônio Muniz, o acesso livre e
igualitário à leitura, à informação e à comunicação por parte das pessoas cegas
e de baixa visão é assegurado pelo Tratado de Marrakech.
Este documento, que no Brasil tem status de emenda constitucional, prevê que as
leis nacionais de direitos autorais abram exceções em seus textos para o
público com deficiência visual.
De acordo com o presidente da ONCB, o Tratado
de Marrakech “transfronteiriza o acesso à leitura”,
possibilitando ao público cego e de baixa visão o contato com obras literárias
dos países signatários do Tratado, sem ferir a legislação de direitos autorais.
Antônio Muniz também destacou a importância
da tecnologia na inclusão da pessoa com deficiência. Segundo ele, os recursos
da era digital permitiram que três pessoas videntes (Hellosman, Perla e Sandra)
discutissem com duas pessoas cegas (ele e Joana) de forma igualitária, já que
ele estava munido de uma linha Braille, um dispositivo de saída tátil para
visualização das letras no Sistema Braille.
FORMAR
LEITORES
A tecnologia também é uma importante aliada
da Fundação Dorina Nowill para fomentar a leitura entre as pessoas com
deficiência visual. Além de a Instituição ser a maior fornecedora de livros
acessíveis do Brasil, ela também desenvolveu a biblioteca digital “DorinaTeca”,
que, segundo Perla Assunção, fornece às pessoas cegas um vasto acervo de livros
digitais, falados ou prontos para serem impressos em braile.
Outra importante iniciativa da Fundação
Dorina Nowill é o fornecimento de livros digitais acessíveis no formato Daisy:
“pensando no papel do leitor nessa era digital, nós temos tanto um acervo
digital disponível, como um livro pensado para ser acessível. Ele tem maior
navegabilidade, poder ter marcação, contraste, fonte ampliada – tudo através do
formato Daisy”, afirmou Perla.
Para ela, independentemente do formato dos
livros (em braille, áudio ou Daisy), o importante é garantir o acesso à
leitura: “a gente precisa formar leitores. O formato digital ainda é o menos
conhecido. Às vezes a gente entra numa discussão se acaba ou não acaba com o
braille, ou se ele é melhor ou pior que outro formato [digital] que nem está em
uso ainda. O nosso papel é de fomento à leitura e não da negação dos formatos”.
FALTA
DE COMPROMISSO
Em sua exposição, Joana Belarmino
afirmou taxativamente que “o mercado editorial não pensa nas pessoas cegas como
consumidoras”. Segundo a professora, é a acessibilidade que vem embutida nos
smartphones que possibilita a leitura de livros digitais por parte das pessoas
cegas, e não o mercado editorial.
Ainda de acordo com Joana Belarmino, as
tecnologias digitais só poderão suprir as demandas por acessibilidade ao livro
e à leitura quando “todos os agentes da cadeia produtiva começarem a pensar nesse
sujeito [pessoa com deficiência] como consumidor e a promover estratégias de
acessibilidade”. Além de potenciais consumidores, as pessoas com deficiência
devem ser encaradas como “cidadãs que têm direito ao consumo de informação de
forma livre e igual”, completou a professora.
DESAFIOS
À PESSOA SURDA
Segundo a professora Sandra Santiago, mesmo
na era digital, as pessoas surdas encontram dificuldades de acesso à leitura
pela ausência de recursos tecnológicos que viabilizem sua inserção nas
sociedades letradas.
Em sua exposição, Sandra ressaltou que as
pessoas surdas acessam o mundo da leitura por pelo menos três caminhos
diferentes: oralização, gestualização e língua de sinais. “Os surdos são
potencialmente bilíngues, porque podem fazer uso de uma língua mais natural
para eles, que é a língua de sinais, e fazer uso de uma segunda língua, que é a
língua do seu país – no caso do Brasil, a língua portuguesa [...] essa é
questão fundamental para compreendermos os dilemas que os surdos enfrentam para
acessar o mundo da leitura e da escrita”, afirmou a professora.
Ainda de acordo com Sandra, “os produtores de
texto não têm a menor preocupação com essa demanda [das pessoas surdas] e não
produzem livros [acessíveis]. Então, o surdo é obrigado a não ler na sua língua”.
Isso exige “desse sujeito uma competência ainda maior na segunda língua, já que
esse universo de conhecimentos que nós acessamos em língua portuguesa, as
pessoas surdas não têm direito de acessar em sua língua”.
Ainda segundo a professora Sandra, mesmo na
era digital, faltam recursos tecnológicos que possibilitem à pessoa surda
inserir-se na sociedade letrada: “cadê os vídeos? Cadê os livros em vídeo? Cadê
transformar isso na língua do surdo, para que a fonte direta de conhecimento
esteja garantida? Geralmente não acontece!”, afirmou.
RELEVÂNCIA
DAS DISCUSSÕES
Gilson Batista tem deficiência visual. Ele
participou das discussões e afirmou que a mesa promoveu uma reflexão importante
sobre as novas tecnologias e a acessibilidade do livro digital: “Se formos
voltar atrás 15, 20 anos, as coisas eram bem piores! Ainda precisa melhorar
muito na questão dos acessos com as plataformas; as editoras precisam começar a
disponibilizar os livros em formato digital; e os aplicativos precisam ser
acessíveis como os sistemas operacionais”.
A mesa mostrou que há gosto nas letras também
por parte das pessoas com deficiência, e que os recursos tecnológicos da era
digital podem ser usados para garantir a esse público o direito à leitura, à
comunicação e à informação.
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