terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Exclusão e inclusão dos surdocegos

Descrição para cegos: a imagem mostra Alex Garcia falando ao microfone. Ele está sentado atrás de uma bancada, na qual estão apoiados um notebook, copos com água, e uma placa com seu nome. 
O artigo de autoria de Alex Garcia, intitulado Surdocegueira e Inclusão no Brasil, aborda a realidade da exclusão e inclusão social de pessoas multideficientes. Como surdocego, o autor traz à discussão argumentos filosóficos, mas também subjetivos. Desde criança, Alex Garcia perde gradativamente a capacidade de ver e ouvir. Ele foi o primeiro surdocego a cursar uma universidade no Brasil. Hoje, especialista em Educação Especial, preside a Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Surdocegos e Multideficientes (Agapasm) e é membro da World Federation of Deafblind. Confira o artigo (Fernanda Mendonça): 

 Surdocegueira e Inclusão no Brasil

Ao pretender destacar a Inclusão da Surdocegueira no Brasil, de fato, nos voltamos a uma série de reflexões, ou faces, que permeiam as relações entre os seres humanos. Minhas palavras têm sim a pretensão de terem o "poder infinito".
Quem não lembra do romance escrito por Umberto Eco, "O Nome da Rosa"? Obra literária que virou filme de grande sucesso! O significado deste romance e deste título me seguiu, e perseguiu por muitos anos sem poder desvendá-lo, até que certa vez, através de pesquisa, conheci que "O Nome da Rosa" era uma designação usada na idade média e significava o "Poder Infinito das Palavras".
É este poder infinito das palavras que vou buscar trazer para vocês através das opiniões e reflexões acerca da inclusão das pessoas surdocegas e dos movimentos e acontecimentos que giram em torno delas, de mim e de nós. Com este sentimento e desejo infinito que as palavras possuem, começo destacando que a inclusão e a exclusão são inseparáveis por essência. É verdade que não são as únicas.
 Inclusão e exclusão são matérias antigas, talvez tão antigas que estejam presentes desde o início do mundo e mais antigas que a existência de pessoas surdocegas. Certa vez estava num evento, e neste, um renomado pensador fez breve referência sobre inclusão e exclusão presentes, talvez, na relação entre "Deus" e "Diabo". Esta "pincelada" me tocou. Fez-me "abrir os olhos" e "ver mais longe" e assim desenvolver novas reflexões, que tenho a oportunidade de compartir com vocês.
Deus ao ser o criador de todas as coisas, também seria o criador do Diabo. Deus fez surgir o Diabo por algum motivo, mas por obra do destino o Diabo ficou descontrolado e não aceitara mais o controle de Deus. Deus frente ao descontrole demoníaco e talvez não tendo forças para retomar o poder criou um ambiente para o Diabo e o mandou para o inferno. "Se não te controlo, te excluo”. Vá para o inferno!
Esta reflexão demonstra que a inclusão e a exclusão são matérias que se desenvolvem na "essência do controle". O surdocego é a "cereja do bolo" para os deuses do controle. É fácil controlar um surdocego. Os deuses agem nas relações de distância e proximidade, visto que "todo desenvolvimento humano se resume em proximidade e distância".
A tendência ao controle nega aos surdocegos a proximidade e esta pode fazer toda a diferença para a inclusão. Acredito que todo tipo de exclusão é uma necessidade de controle que não funcionou ou que não está funcionando, ou seja, se não te controlo te excluo.
A inclusão é o movimento que busca reverter esse quadro de controle, de desigualdade e porque não dizer, de subalternidade. Nós seres humanos possuímos uma necessidade muito forte de controlar o outro e isso não é uma novidade.
Essa necessidade de controle é bastante "mascarada" e fica oculta. Sabemos que ela está em nós, mas não a declaramos abertamente. Ela só vai ser revelada no conflito, ou seja, no conflito de inclusão e exclusão. Conflito entre ganhar ou perder benefícios, de várias ordens, por exemplo.
É nesse conflito que vamos observar quem exclui e quem inclui, e quem é o controlador e quem é o controlado. Obviamente que esse controle ou essa necessidade de controle possui seus meios para se fazer valer.
Uma dessas ferramentas ou meios comumente verificados é a pressuposição. A pressuposição como ferramenta de controle e exclusão significa dizer que o meio ou determinados grupos ou até mesmo pessoas, pressupõe o comportamento dos surdocegos, sabe de antemão o que o surdocego vai fazer ou como vai se comportar.
A pressuposição é uma "arma" muito poderosa para manter o controle. Os surdocegos vivem no mundo há bastante tempo sendo manipulados, aliciados e excluídos e não conseguem sair ou escapar dessa pressuposição.
Em minhas reflexões pelo Brasil e pelo mundo sempre sou questionado: - Alex qual seria a fórmula para promover a inclusão? Eu de imediato digo, apesar de não concordar com fórmulas, mas destaco a minha opinião. - A verdadeira inclusão só será possível quando os surdocegos romperem com a pressuposição, principalmente a pressuposição de suas identidades, e para isso devem imediatamente exigir comunicabilidade, ou seja, meios para se comunicar, observando-se que todo surdocego possui comunicação, o que falta são meios para que esta comunicação de fato aconteça.
Posso garantir a todos que tantas foram as vezes que rompi com a pressuposição que os "Deuses" que habitam nosso cotidiano, com seus desejos incontroláveis de controle já me mandaram muitas vezes para o "inferno". Mas isso é algo natural e inerente ao desejo de inclusão, não é mesmo?
A inclusão é processo contínuo que deve ser ratificada por cada um de nós, no cotidiano de nossa existência, não apenas nas "palavras", mas, em nossas atitudes e comportamentos. Tanto surdocegos pré-simbólicos quanto pós-simbólicos têm o direito de serem incluídos. Mas precisamos da inclusão libertada, onde possamos aprender e concorrer livremente aos benefícios sociais.
Não desejamos a inclusão subalterna onde apenas estamos presentes de corpo. Somos seres humanos que precisamos da proximidade do outro apesar de vivermos numa sociedade que se distancia a cada dia. Enfim, a inclusão de surdocegos, na verdade, é um convite a resgatar nossa essência humana.  

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