Descrição para cegos: a imagem mostra Alex Garcia falando ao microfone. Ele está sentado atrás de uma bancada, na qual estão apoiados um notebook, copos com água, e uma placa com seu nome. |
O artigo de
autoria de Alex Garcia, intitulado Surdocegueira e Inclusão no Brasil, aborda
a realidade da exclusão e inclusão social de pessoas multideficientes. Como
surdocego, o autor traz à discussão argumentos filosóficos, mas também
subjetivos. Desde criança, Alex Garcia perde gradativamente a capacidade de ver
e ouvir. Ele foi o primeiro surdocego a cursar uma universidade no Brasil.
Hoje, especialista em Educação Especial, preside a Associação Gaúcha de Pais e
Amigos dos Surdocegos e Multideficientes (Agapasm) e é membro da World
Federation of Deafblind. Confira o artigo (Fernanda Mendonça):
Surdocegueira e Inclusão no Brasil
Ao
pretender destacar a Inclusão da Surdocegueira no Brasil, de fato, nos voltamos
a uma série de reflexões, ou faces, que permeiam as relações entre os seres
humanos. Minhas palavras têm sim a pretensão de terem o "poder
infinito".
Quem não
lembra do romance escrito por Umberto Eco, "O Nome da Rosa"? Obra
literária que virou filme de grande sucesso! O significado deste romance e
deste título me seguiu, e perseguiu por muitos anos sem poder desvendá-lo, até
que certa vez, através de pesquisa, conheci que "O Nome da Rosa" era
uma designação usada na idade média e significava o "Poder Infinito das
Palavras".
É este
poder infinito das palavras que vou buscar trazer para vocês através das
opiniões e reflexões acerca da inclusão das pessoas surdocegas e dos movimentos
e acontecimentos que giram em torno delas, de mim e de nós. Com este sentimento
e desejo infinito que as palavras possuem, começo destacando que a inclusão e a
exclusão são inseparáveis por essência. É verdade que não são as únicas.
Inclusão e exclusão são matérias antigas,
talvez tão antigas que estejam presentes desde o início do mundo e mais antigas
que a existência de pessoas surdocegas. Certa vez estava num evento, e neste,
um renomado pensador fez breve referência sobre inclusão e exclusão presentes,
talvez, na relação entre "Deus" e "Diabo". Esta
"pincelada" me tocou. Fez-me "abrir os olhos" e "ver
mais longe" e assim desenvolver novas reflexões, que tenho a oportunidade
de compartir com vocês.
Deus ao ser
o criador de todas as coisas, também seria o criador do Diabo. Deus fez surgir
o Diabo por algum motivo, mas por obra do destino o Diabo ficou descontrolado e
não aceitara mais o controle de Deus. Deus frente ao descontrole demoníaco e
talvez não tendo forças para retomar o poder criou um ambiente para o Diabo e o
mandou para o inferno. "Se não te controlo, te excluo”. Vá para o inferno!
Esta
reflexão demonstra que a inclusão e a exclusão são matérias que se desenvolvem
na "essência do controle". O surdocego é a "cereja do bolo"
para os deuses do controle. É fácil controlar um surdocego. Os deuses agem nas
relações de distância e proximidade, visto que "todo desenvolvimento
humano se resume em proximidade e distância".
A tendência
ao controle nega aos surdocegos a proximidade e esta pode fazer toda a
diferença para a inclusão. Acredito que todo tipo de exclusão é uma necessidade
de controle que não funcionou ou que não está funcionando, ou seja, se não te
controlo te excluo.
A inclusão
é o movimento que busca reverter esse quadro de controle, de desigualdade e
porque não dizer, de subalternidade. Nós seres humanos possuímos uma
necessidade muito forte de controlar o outro e isso não é uma novidade.
Essa
necessidade de controle é bastante "mascarada" e fica oculta. Sabemos
que ela está em nós, mas não a declaramos abertamente. Ela só vai ser revelada
no conflito, ou seja, no conflito de inclusão e exclusão. Conflito entre ganhar
ou perder benefícios, de várias ordens, por exemplo.
É nesse
conflito que vamos observar quem exclui e quem inclui, e quem é o controlador e
quem é o controlado. Obviamente que esse controle ou essa necessidade de
controle possui seus meios para se fazer valer.
Uma dessas
ferramentas ou meios comumente verificados é a pressuposição. A pressuposição
como ferramenta de controle e exclusão significa dizer que o meio ou
determinados grupos ou até mesmo pessoas, pressupõe o comportamento dos
surdocegos, sabe de antemão o que o surdocego vai fazer ou como vai se
comportar.
A
pressuposição é uma "arma" muito poderosa para manter o controle. Os
surdocegos vivem no mundo há bastante tempo sendo manipulados, aliciados e
excluídos e não conseguem sair ou escapar dessa pressuposição.
Em minhas
reflexões pelo Brasil e pelo mundo sempre sou questionado: - Alex qual seria a
fórmula para promover a inclusão? Eu de imediato digo, apesar de não concordar
com fórmulas, mas destaco a minha opinião. - A verdadeira inclusão só será
possível quando os surdocegos romperem com a pressuposição, principalmente a
pressuposição de suas identidades, e para isso devem imediatamente exigir
comunicabilidade, ou seja, meios para se comunicar, observando-se que todo
surdocego possui comunicação, o que falta são meios para que esta comunicação
de fato aconteça.
Posso
garantir a todos que tantas foram as vezes que rompi com a pressuposição que os
"Deuses" que habitam nosso cotidiano, com seus desejos incontroláveis
de controle já me mandaram muitas vezes para o "inferno". Mas isso é
algo natural e inerente ao desejo de inclusão, não é mesmo?
A inclusão
é processo contínuo que deve ser ratificada por cada um de nós, no cotidiano de
nossa existência, não apenas nas "palavras", mas, em nossas atitudes
e comportamentos. Tanto surdocegos pré-simbólicos quanto pós-simbólicos têm o
direito de serem incluídos. Mas precisamos da inclusão libertada, onde possamos
aprender e concorrer livremente aos benefícios sociais.
Não
desejamos a inclusão subalterna onde apenas estamos presentes de corpo. Somos
seres humanos que precisamos da proximidade do outro apesar de vivermos numa
sociedade que se distancia a cada dia. Enfim, a inclusão de surdocegos, na
verdade, é um convite a resgatar nossa essência humana.
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