Descrição para cegos: na imagem, um cadeirante sobe num ônibus através da rampa elevatória. |
Por Felipe Ramos
Há alguns dias
uma cena me chamou atenção. Era um dia comum dentro de um ônibus.
Um cadeirante pediu para subir. Nada de estranho até ali.
Entretanto, desde que comecei a escrever neste blog meu olhar para a
pessoa com deficiência mudou, tornou-se mais aguçado,
principalmente em situações cotidianas, presenciando suas lutas
diárias. Deste modo, decidi observar como seria realizada a entrada
do cadeirante em ônibus de transporte coletivo da minha cidade, João
Pessoa. Uma coisa simples, já vista por muitos, mas quis analisar
cada detalhe. Foi doloroso!
Com certeza, não
gostaria de estar na pele de quem precisa dessa plataforma. Não pelo
equipamento, mas pelos olhares, julgamentos que rapidamente são
lançados. O cobrador teve que sair de seu lugar para ligar a
plataforma. De primeira não pegou. Tentou novamente. Foi possível
ouvir alguém dizer: Eu mereço! Outros ficavam olhando na
expectativa. Um suspense se daria certo, ou se iria demorar mais.
Nunca tinha parado para olhar as pessoas nesse momento. Nem mesmo a
cara do cobrador que ajudava na entrada, agora enfurecido por estar
tentando pela segunda vez, como se fizesse um favor. Nesse momento
percebi a grande barreira enfrentada ali pelo cadeirante. Não era a
acessibilidade do veiculo que ele precisava vencer, mas a falta de
consciência das pessoas.
Enfim, deu certo.
O cadeirante começou a subir. Na sua maioria os passageiros lançavam
os olhares para aquele que ‘atrasou’ o percurso. Lentamente ele
subia com a ajuda do equipamento, um pouco envergonhado. Afinal, já
havia chamado bastante atenção, sem ser de sua vontade, claro.
No lugar reservado
para ele havia algumas pessoas. Logo todos abriram espaço para que o
cadeirante tomasse seu lugar. Ninguém ficou muito próximo, apesar
do pouco espaço dentro do ônibus. Em seguida, houve mais tempo
gasto para descer a plataforma e o cobrador voltar ao seu posto,
ainda com cara de quem não tinha gostado nada daquilo. Uma mulher
próxima à porta comentou com outra: “Coitado dele, né? Deve ser
complicado ser assim.” Não sei se o cadeirante ouviu o cochicho,
mas em mim aquilo doeu.
Nítido mesmo era
o rosto do jovem deficiente. Ele olhava para baixo, talvez ainda não
acostumado com a situação. Não que deve se acostumar com os
olhares, não mesmo, porém pela pouca idade. Imaginei o que ele
pudesse estar pensado: Essa foi apenas a entrada, haverá ainda todo
o processo para sair.
Para mim, ele foi
um personagem real de uma história aparentemente simples, mas
dolorosa. Não queria ser olhado daquele jeito jamais. Nem mesmo ser
tratado como alguém inferior, que atrasa a vida dos outros. Não
estou julgando os passageiros, longe disso. Porém, me colocando no
lugar do cadeirante transferi cada fala, cada gesto para mim e nós
sabemos quando não somos bem vindos em um local. Com isto,
potencializei aquela cena para o cotidiano do cadeirante. Quantas
vezes por dia ele passa por aquilo? Talvez alguns dias com menos
intensidade, outros com mais. Concluo então com uma certeza: para
não causar dor no outro, seja pequena ou grande, é preciso um
coração, um olhar, uma vida acessível, sem barreiras para os
outros.
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