segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Havia um cadeirante no ônibus

Descrição para cegos: na imagem, um cadeirante sobe num ônibus através da rampa elevatória.  
 Por Felipe Ramos

Há alguns dias uma cena me chamou atenção. Era um dia comum dentro de um ônibus. Um cadeirante pediu para subir. Nada de estranho até ali. Entretanto, desde que comecei a escrever neste blog meu olhar para a pessoa com deficiência mudou, tornou-se mais aguçado, principalmente em situações cotidianas, presenciando suas lutas diárias. Deste modo, decidi observar como seria realizada a entrada do cadeirante em ônibus de transporte coletivo da minha cidade, João Pessoa. Uma coisa simples, já vista por muitos, mas quis analisar cada detalhe. Foi doloroso!

          No primeiro momento, alguns passageiros perceberam que o ônibus teria que parar para a entrada de uma pessoa com deficiência. Logo surgiram as primeiras caras de desgosto. O veículo estava quase lotado. O relógio marcava 12 horas. Um horário de grande correria, almoço, pausa no expediente ou ida ao trabalho. Ninguém quer “perder tempo” e apesar dos ônibus da capital paraibana em sua maioria serem considerados carros “eficientes”, com plataformas elevatórias, que facilitam o acesso de pessoas com alguma deficiência, há uma demora no processo dessa entrada. Mas esse não é o grande problema.
Com certeza, não gostaria de estar na pele de quem precisa dessa plataforma. Não pelo equipamento, mas pelos olhares, julgamentos que rapidamente são lançados. O cobrador teve que sair de seu lugar para ligar a plataforma. De primeira não pegou. Tentou novamente. Foi possível ouvir alguém dizer: Eu mereço! Outros ficavam olhando na expectativa. Um suspense se daria certo, ou se iria demorar mais. Nunca tinha parado para olhar as pessoas nesse momento. Nem mesmo a cara do cobrador que ajudava na entrada, agora enfurecido por estar tentando pela segunda vez, como se fizesse um favor. Nesse momento percebi a grande barreira enfrentada ali pelo cadeirante. Não era a acessibilidade do veiculo que ele precisava vencer, mas a falta de consciência das pessoas.
Enfim, deu certo. O cadeirante começou a subir. Na sua maioria os passageiros lançavam os olhares para aquele que ‘atrasou’ o percurso. Lentamente ele subia com a ajuda do equipamento, um pouco envergonhado. Afinal, já havia chamado bastante atenção, sem ser de sua vontade, claro.
No lugar reservado para ele havia algumas pessoas. Logo todos abriram espaço para que o cadeirante tomasse seu lugar. Ninguém ficou muito próximo, apesar do pouco espaço dentro do ônibus. Em seguida, houve mais tempo gasto para descer a plataforma e o cobrador voltar ao seu posto, ainda com cara de quem não tinha gostado nada daquilo. Uma mulher próxima à porta comentou com outra: “Coitado dele, né? Deve ser complicado ser assim.” Não sei se o cadeirante ouviu o cochicho, mas em mim aquilo doeu.
Nítido mesmo era o rosto do jovem deficiente. Ele olhava para baixo, talvez ainda não acostumado com a situação. Não que deve se acostumar com os olhares, não mesmo, porém pela pouca idade. Imaginei o que ele pudesse estar pensado: Essa foi apenas a entrada, haverá ainda todo o processo para sair.
Para mim, ele foi um personagem real de uma história aparentemente simples, mas dolorosa. Não queria ser olhado daquele jeito jamais. Nem mesmo ser tratado como alguém inferior, que atrasa a vida dos outros. Não estou julgando os passageiros, longe disso. Porém, me colocando no lugar do cadeirante transferi cada fala, cada gesto para mim e nós sabemos quando não somos bem vindos em um local. Com isto, potencializei aquela cena para o cotidiano do cadeirante. Quantas vezes por dia ele passa por aquilo? Talvez alguns dias com menos intensidade, outros com mais. Concluo então com uma certeza: para não causar dor no outro, seja pequena ou grande, é preciso um coração, um olhar, uma vida acessível, sem barreiras para os outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário