terça-feira, 6 de novembro de 2018

Maternidade e autismo: quebrando o tabu, vencendo as barreiras e mudando a perspectiva sobre o mundo


Descrição para cegos: Alice no Aquário Marinho do Rio de Janeiro
Fonte: Instagram

Por Maria Ricarte

O autismo foi descoberto em 1943 pelo psiquiatra Leo Kanner, nos Estados Unidos, e de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), existem dois milhões de autistas no Brasil. Em relação à infância, a Organização estima que o transtorno do espectro autista (TEA) afete uma em cada 160 crianças no mundo. Entretanto, o diagnóstico não é tão simples de ser feito. O fato de não existir um exame específico que indique o transtorno – a avaliação deve ser clínica e feita por uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo -, os sintomas são comumente confundidos com surdez, já que a criança não responde aos estímulos; deficiência intelectual; e problemas de linguagem.

Por isso, mediante qualquer desconfiança sobre o desenvolvimento da criança, é necessário procurar o acompanhamento de um especialista, visando começar precocemente as intervenções e melhorar o prognóstico da criança. É importante procurar as terapias adequadas o quanto antes, porque assim,  o sistema nervoso poderá responder aos estímulos mais rapidamente. Mesmo que ainda não haja um medicamento específico para o autismo, a criança deve ser acompanhada por um fonoaudiólogo para que ele ajude-a a desenvolver a linguagem não-verbal. A estimulação pode ser feita com brincadeiras e jogos, contação de histórias e conversa.

Cada pessoa com autismo é diferente da outra, existem muitos espectros da síndrome, mas a dificuldade de compreensão e comunicação com outras pessoas é uma dificuldade comum entre elas. Além desses sinais, há outros que podem se manifestar em algumas pessoas com o espectro autista, porém não é algo que, necessariamente, tenha que desenvolver em todos eles. Os surtos nervosos, por exemplo, podem vir acompanhados de automutilação e agressão; hiper ou hipo sensibilidade também podem se manifestar de forma diferente nos cinco sentidos da criança; e, por fim, no paladar, em que a pessoa não tolera determinados sabores e, por isso, insiste em comer sempre os mesmos alimentos.

Alguns sinais de alerta:

- Não responder ao nome aos 12 meses;

- Não apontar objetos aos 14 meses;

- Não brincar de faz de conta aos 18 meses;

- Falta de contato visual e querer ficar sozinho;

- Ter interesses obsessivos;

- Ficar extremamente abalado por pequenas mudanças;
- Agitação excessiva;
- Reações inesperadas ao barulho de coisas, cheiros, gostos.


Buscando quebrar o tabu, compreender e mostrar a realidade dos pais e mães das crianças que foram diagnosticadas com o espectro autista, foi feita uma entrevista com Viviany Santos Lima Ricarte de 39 anos, mãe de Alice Lima Ricarte que, com um ano e quatro meses de vida, passou a desenvolver alguns desses sintomas citados acima, como: a falta de contato visual; reagia diferente a determinados barulhos; atraso na fala; e, parou de reparar no ambiente que estava a sua volta.


Descrição para cegos: Viviany ao lado direito fazendo uma pose imitando a imagem do Hulk - um Super Herói -, que está estampado na camisa que ambas estão vestindo; e, Alice sorrindo ao mesmo tempo em que tenta imitar a pose da  mãe, ao lado esquerdo da foto.
Fonte: Instagram


Quem é você?
Me chamo Viviany Santos Lima ricarte, tenho 40 anos e, atualmente, sou dona de casa e mãe de Alice Lima Ricarte de quatro anos. Acabei deixando de ajudar meu marido no comércio para me dedicar a Alice, que é a minha prioridade hoje.

Quando você descobriu o autismo de Alice? Ela tinha que idade?
Eu comecei a suspeitar que ela tinha autismo com um ano e quatro meses, ela vinha tendo o desenvolvimento normalmente, sendo que com um ano ela parou de falar “papai” e “mamãe”, parou de responder ao “tchau” que as pessoas davam a ela, parou de me seguir pela casa e parou de prestar atenção ao seu redor. Então, a partir daí, comecei a questionar, junto ao meu marido, e foi aí que eu levei essa minha visão para a pediatra.

Ela estuda em alguma instituição de ensino? Pública ou privada?
Alice estuda numa instituição privada desde que ela tinha um ano e meio. Meu intuito era colocar ela na escola quando ela completasse os dois anos de idade, mas como ela começou a desenvolver essa mudança de comportamento, coloquei antes.

Quais foram as dificuldades enfrentadas para achar escolas que tivessem profissionais capacitados e com estrutura física adequada para melhor atender Alice e as outras crianças?
Não apresentei a suspeita de autismo para a escola, apenas apontei que havia um atraso na fala dela, até para ver o que a escola poderia me ajudar em relação a ficar observando o comportamento dela. Escolhi uma escola pequena, que não tivesse muitos alunos por turma para ver se tinha uma atenção maior em relação aos estudantes. Na minha cabeça, isso poderia me ajudar a descobrir minha filha e me ajudar a entender aquilo tudo o que eu estava passando. Busquei uma escola de renome na cidade, que tivesse algum tipo de reconhecimento, mas não busquei em relação ao autismo em si.

Você leva Alice para algum médico especialista na área do autismo? Para você, qual a importância do acompanhamento médico especializado dos jovens com autismo e, encontrar esses profissionais, é algo acessível?
Alice tem um acompanhamento de uma neurologista, neuropediatra e de um psiquiatra infantil. Vou ao neuro uma vez ao ano e no psiquiatra de seis em seis meses, se surgir uma dúvida eu sempre converso com ele. Acho importantíssimo que haja esse acompanhamento, primeiro para os pais, porque a gente não tem noção de nada do que é o autismo, pelo menos para mim ouvir o que é autismo é tudo muito novo, então eu precisava de alguém que me explicasse e me ajudasse em que direção eu deveria ir, que rumo eu deveria tomar. Somos bombardeados o tempo todo sobre falsas curas, informações que levam a gente a acreditar em coisas que não são verdadeiras, e por isso precisamos ter o acompanhamento e a ajuda de um profissional, porque filtrar isso por si só é muito difícil, temos que saber dividir o que é verdade e o que é mentira para não maltratar o seu filho.
No meu caso, eu quis ter muito cuidado, mesmo com todo o sofrimento que eu estava passando, eu não quis tomar decisões erradas, então eu fui ao neurologista, ele me passou uma fono, depois terapia ocupacional - primeira coisa que Alice fez - e diante disso, fui ao psiquiatra no Rio de Janeiro que é especialista em autismo. Para mim, ele foi um divisor de águas, ele me explicou claramente como funcionava o cérebro de minha filha, porque só falavam para mim o que era autismo, mas não como funcionava o cérebro da minha filha, e ele me explicou. Me explicou como era o processo, das possibilidades, me mostrou que não era o fim e sim um começo e quanto mais a gente estimular, abraçar a nossa filha- no sentido de abraçar a causa mesmo - mais vai ver o resultado.
Então foi um divisor de águas conhecer Doutor Caio, conhecer profissionais que entendam a dor dos pais, olhar para eles e ser justo, não inventar mil e uma coisas sobre tratamento em que os pais acreditem e queiram fazer tudo o que está sendo proposto - o que acaba prejudicando até a criança. A gente tem que ter muito cuidado com a gente e com as crianças, temos que estar saudáveis para poder ajudá-las.

De que forma a sociedade, o governo e as instituições de ensino podem contribuir para o desenvolvimento da inclusão de crianças e jovens autistas?
Eu acho que falta muita capacitação, as pessoas não entendem o que é o autismo. Eu por exemplo, enxergava o autista como uma pessoa que se fechava no mundo dela e não fazia mais nada, era uma ignorância da minha parte. Hoje eu vejo que o autismo não é uma doença, é uma condição e que nós temos que receber e entender essas pessoas. Perceber que aquele barulho está incomodando, aquela luz não tá legal, que determinado estímulo não está agradando, então é muita coisa para ser feita. Eu acho que os professores precisam ter uma capacitação, não só para as pessoas com autismo, mas para todas as pessoas com deficiência. O autismo é uma crescente, não se sabe se é porque o número de pessoas com autismo cresceu ou se o diagnóstico passou a ser melhor executado.
Existem vários graus de autismo: o leve, quase imperceptível; moderado; e o severo, sendo o que as pessoas mais percebem. Os profissionais precisam estar capacitados para atender essas crianças, às vezes eles estão tão engessados e acostumados a trabalhar de uma forma que, só sabem trabalhar daquela maneira, eles tem que começar a ter outro olhar, saber contornar as dificuldades, movimentar o corpo, desenhar, cativar a criança, trazer elas para a gente. Os governantes não se importam com essa realidade, o que dificulta para nós que somos pais. Porque tudo é muito caro, tudo de Alice é particular, não temos auxílio de nada, nem do plano de saúde - agora estamos entrando com essa questão do plano de saúde para ele poder nos ressarcir.
Eu fico imaginando as pessoas que não tem condições para bancar isso, porque além de você ter o sofrimento de pai, você ainda não tem o dinheiro para fazer as terapias, o tratamento e de ao menos colocar o seu filho na escola. É tudo muito sofrido, então a gente não tem um conjunto de coisas: escolas públicas capacitadas, médicos e remédios disponíveis e acessíveis para toda a população.

Ser mãe de uma criança autista mudou sua perspectiva em relação ao autismo? Como que você lidou com o diagnóstico e o que você aprendeu com ele?
Na verdade eu não tinha noção nenhuma do que era o autismo. Quando eu recebi a notícia do autismo, só vinha imagens de filmes e novelas que eu assisti que tinham personagens autistas, não havia ninguém próximo a mim que tivesse autismo. Enfim, para mim, foi uma das coisas mais difíceis de escutar e de entender, porque eu digo que, hoje eu me considero uma outra pessoa, eu vejo o mundo de outra forma, tudo o que eu pensava, que eu imaginava, que eu sonhava, eu percebi que é tudo tão pequeno diante de uma coisa muito maior. A realidade é que você nunca imagina que isso vai chegar até você. A condição de minha filha - me ensinou a amar alguém incondicionalmente que tenha dificuldade de demonstrar esse afeto para você, e você tenta fazer de tudo para extrair esse amor desse ser tão pequenininho de volta. Eu sei que ela me ama, mas ela tem a dificuldade de demonstrar.
Então para mim foi muito difícil, eu amadureci de uma forma que eu nem sei explicar a profundidade, de me ver diante de uma dor imensa e me obrigar a levantar para fazer por ela tudo o que estiver  ao meu alcance, porque se eu não fizer quem é que vai fazer? Eu aceito a condição da minha filha, ela é autista, mas eu vou fazer o que estiver ao meu alcance para extrair dela tudo o que for possível, para ela poder caminhar sozinha e fazer as escolhas dela. Então eu preciso fazer isso por ela e não por mim, fazer com que Alice chegue aonde ela quiser chegar, eu tenho que fazer a minha parte. Eu sei que ainda temos muito o que percorrer, ela tem quatro anos ainda. Teremos muitas lutas, ela vai trocar de escola, vai vir a adolescência e tudo isso a gente não pode ficar pensando no amanhã, eu luto pelo hoje dela, sem pensar no futuro.
No início eu chorava muito, porque eu ficava pensando no futuro: “Como é que Alice vai viver?”; “O que ela vai ser?”; “O que será que vai acontecer?”, então eu parei de pensar nisso. Eu vivo o hoje e só. O fato dela ter conseguido escrever o nome dela, de saber o alfabeto, de estar conseguindo brincar com os coleguinhas, como o que ela está aprendendo. Quando a gente recebe a notícia de autismo, a gente fica pensando no amanhã, de como é que vai ser daqui pra frente e eu parei completamente de pensar nisso, quando vem esse pensamento eu vou e tiro. Então, não é fácil, mas quando eu conheci outras mães, ouvi outras histórias, eu vi que eu não estava sozinha. E eu posso dizer que essas pessoas são maravilhosas e eu pude ver como o amor é grande, como ele transforma uma pessoa, você amar infinitamente uma pessoa e você quer o bem dela e mais nada. Só a felicidade.

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