sábado, 3 de novembro de 2018

Quebrando o tabu, transpondo as barreiras e desmitificando a estigmatização social das pessoas com deficiência

Por Maria Ricarte
A exclusão social e a discriminação das pessoas com deficiência existe há cerca de muitos anos,os quais eram reprimidos e tratados como incapazes perante a sociedade. Além disso, nota-se que tais ações se preservam atualmente, retomando atitudes arcaicas e preconceituosas. Desse modo,é necessário fazer uma auto reflexão acerca de tal problemática em que haja uma implementação de políticas e tratamentos corretos para que as pessoas com deficiência possam ter as mesmas oportunidades e direitos que toda a população.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil o total de pessoas que declararam possuir pelo menos uma das deficiências - física, intelectual, visual ou auditiva - foi de 45.606.048, representando 23,9% da população, tendo a região Nordeste com a maior concentração e proporção de pessoas com pelo menos um tipo de deficiência, com 26,6%, tendo as regiões Sudeste e Norte 23,0% cada e 22,5% nas regiões Sul e Centro-Oeste. Entre os estados do Brasil, a Paraíba e o Rio Grande do Norte apresentam o maior índice de PcD, possuindo 27,8% da população com alguma incapacidade.
Dentre as deficiências pesquisadas pelo IGBE em 2015, a mais ocorrente entre a população é a deficiência visual (3,6%), e a deficiência física é a segunda com maior número dentre os brasileiros atingindo 1,3% das pessoas. Entretanto, as pessoas com deficiência física, possuem maior incidência no mercado de trabalho, sendo que essa inclusão aumenta a partir dos 25 anos de idade.
Atrelado a essa realidade, a educação tem um papel fundamental no aumento da inclusão social da pessoa com deficiência, não só no mercado de trabalho mas na sociedade como um todo. Em uma pesquisa feita pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), os mais escolarizados ocupam as maiorias das oportunidades de emprego. Em 2016, no ano em que a pesquisa foi feita, dos 418.521 contratados, 275.222 PcDs eram formados no ensino médio, possuíam ensino superior incompleto ou estudos superiores concluídos.
A inclusão da PcD no mercado de trabalho, nas escolas, o atendimento nos postos de saúde, acesso ao passe livre e a isenção de impostos na compra de carros adaptados são direitos, independente do tipo de deficiência que apresente, contribuindo assim uma transformação da realidade, que necessita de novos avanços instrumentais e qualitativos na vida social dessas pessoas. Dessa maneira, é imprescindível que as leis e os decretos que asseguram os direitos e deveres das pessoas com deficiência sejam respeitados e efetivados.
Em uma entrevista com Edjanio Pereira Marques de 45 anos de idade, estudante de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ele conta que foi acometido pela Sequela de Pólio - comumente conhecida como paralisia infantil - aos dois anos de idade. Inicialmente ele teve tetraplegia e, após o tratamento, conseguiu reatar os movimentos dos braços e das pernas porém, passou a ter o atrofiamento das pernas. Edjanio faz parte dos brasileiros com deficiência que têm carteira assinada, porém ele afirma que o preconceito é uma das principais barreiras entre as Pcds e o mercado de trabalho.

Descrição para cegos: Edjanio está em pé em frente ao seu carro, da cor preta, sorrindo para a foto. Fonte: Maria Ricarte





Quem é você?
Me chamo Edjanio Pereira Marques, tenho 45 anos e sou natural de Patos, aqui da Paraíba mesmo. Estou morando em João Pessoa desde 1995, há 23 anos. Tive, o que se chamava antigamente de “Paralisia Infantil”,  porém o nome científico é Sequela de Pólio. Eu fui acometido pelo vírus quando eu tinha dois anos e, inicialmente, eu fiquei tetraplégico, não mexia nada além da cabeça. Depois, com o tratamento, eu fui recuperando o movimento do braço e das pernas, porém depois eu fiquei, com a sequela de Pólio, com o atrofiamento dos membros, o direito foi bem mais afetado do que o esquerdo. Sou casado há cerca de 18 anos, temos uma filha Ester que é o amor da minha vida, o motivo da minha luta, da minha batalha e hoje eu me sinto extremamente realizado.

Como foi a sua trajetória, desde a infância até a vida adulta? E qual o papel dos seus pais e familiares nessa jornada?

No início foi bem difícil, até porque eu venho do sertão, uma região do estado difícil no sentido de suporte em termo de saúde, uma área em que as dificuldades são bem maiores do que na capital, ainda mais você sendo desprovido de recursos e no momento em que meus pais se viram na situação tendo um filho deficiente, eles tinham que fazer alguma coisa. Eu agradeço a Deus por ter me dado um pai e uma mãe que tiveram uma conduta extremamente louvável no sentido de correr atrás de uma solução para a minha situação, até porque aos olhos humanos a cura era quase impossível e naquela época o tratamento era mais difícil de conseguir uma recuperação dentro da “normalidade”. Meus pais foram muito valentes, lutaram muito para eu chegar onde eu cheguei. Eles me educaram, me deram amor e carinho, suporte emocional e, acima de tudo, me criaram de uma forma que me orgulho. No começo foi tudo bem difícil, pois eu tive que me sujeitar a sete cirurgias e uma coisa que me orgulha foi o que minha mãe me disse, “Eu só vou te deixar no dia em que você estiver andando com a suas próprias pernas”, e ela cumpriu. Hoje lamentavelmente não tenho nem minha mãe nem meu pai, mas sou extremamente feliz por tudo o que eles fizeram. Hoje eu já dirijo, eu tenho um carro adaptado, eu mesmo faço as adaptações com alguns parceiros, tenho uma alegria imensa pelo muito que já alcancei, hoje faço uma faculdade e me vejo muito bem em relação a tudo. A gente vê as pessoas ditas “normais”, em que elas alcançam o sucesso, uma qualidade de vida mais elevada, com mais oportunidades, e eu posso dizer que apesar de tudo, eu me considero muito afortunado e feliz.


Você trabalha ou já trabalhou? Se sim, quais as principais dificuldades que você encontrou no mercado de trabalho, tanto para ingressar nele como para permanecer efetivado?
Atualmente estou trabalhando. Já tenho uma certa experiência dentro do mercado de trabalho, eu comecei trabalhando como auxiliar administrativo em uma academia; depois fui trabalhar na Telpa, que hoje conhecemos como Telemar; passei seis meses trabalhando nas lojas Maia, conhecidas como Magazine Luiza; por fim, fui convidado a trabalhar na UNIMED, onde fiquei cerca de 17 anos, saí de lá ano passado (2017) e hoje trabalho no Hospital Nossa Senhora das Neves. Tive uma experiência empregatícia sempre na área de saúde, já trabalhei em dois hospitais, porém as dificuldades são muitas, porque antes de tudo precisamos transpor a barreira do preconceito, de sermos vistos com pena pelos outros. Nós somos iguais a qualquer pessoa, temos nossas limitações, mas nossas limitações não são nossos limites, o fato de eu ter uma sequela de pólio, de ter uma deficiência em uma das pernas, não me faz menor ou incapaz em relação a ninguém.

Você acha que o mercado de trabalho ainda precisa melhorar as condições de inserção das PcDs (pessoas com deficiência), visto que apenas 0,7% dessas pessoas ocupam as vagas de empregos no Brasil?
Nós estamos ainda muito longe de termos um mercado compatível com as nossas necessidades. Eu passei recentemente um ano desempregado, surgiam oportunidades, mas dentro de cada momento que existiam as oportunidades, existiam também “N” dificuldades para a pessoa com deficiência, era apenas uma forma de burlar a lei. As empresas não contratam pessoas com deficiência porque acham que devem contratar, por querer ter pessoas com deficiência trabalhando, eles fazem puramente por ser uma lei, porque a legislação obriga a ter um percentual dentro das empresas. Ao meu ver, a  dificuldade dentro do mercado de trabalho é ainda o preconceito, a maneira que somos vistos como uns “coitadinhos”, que temos limitações e não vamos conseguir realizar o serviço corretamente. Falta ter uma mudança de visão sobre nós como pessoas, enquanto profissionais. Hoje em dia isso vem mudando, a maioria das pessoas com deficiência tem buscado se aprimorar, estudar, se formar, terem cursos profissionalizantes. Eu reconheço que fiquei muito tempo omisso, no sentido de buscar uma melhora em termos de estudo para mim, somente agora, há três anos, é que eu vim realmente valorizar a oportunidade de estudar. Hoje eu estudo Jornalismo na UFPB, e estou extremamente feliz de fazer uma coisa que eu gosto, de estar me envolvendo com comunicação, com pessoas.

Quais as dificuldades que você encontra, em termo de acessibilidade, dentro da UFPB?
Eu acho que uma das maiores dificuldades que enfrento aqui na UFPB, é o acesso às salas. Nós tivemos que mudar de sala, esse é o terceiro ano consecutivo, porque o elevador existe, mas não funciona. E aí vem o questionamento, “Mas por que não funciona?”, e ninguém consegue responder. Infelizmente vivemos num país que quando as coisas são para a “minoria”, elas ficam mais difíceis e eu estou nesse grupo. Aqui na universidade, o nível de acessibilidade é muito pequeno. Encontramos as pessoas ditas “normais” ocupando as vagas das pessoas com deficiência, dificultando o acesso às rampas; falta também indicação mais precisa nas calçadas, tanto para as pessoas com deficiência física quanto visual; as sinalizações verticais e horizontais são precárias, é uma coisa que não tem quase indicação nenhuma.

Seu carro é adaptado? Você conseguiu a isenção de impostos na hora da compra?
Eu comprei o meu primeiro carro sem isenção. Quando eu comprei, foi para ter a minha primeira experiência com o carro, de dirigir, de ter a minha autonomia, se eu fosse na concessionária para adquirir o processo de isenção do IPI e do ISMS, ia ser mais demorado. Já o segundo, eu comprei zero e também sem a isenção, o que já foi por opção. Por já ter um carro, eu fui na loja e comprei o que eu queria, que no caso foi o Gol que eu tenho até hoje. Mas, o objetivo, a princípio, é fazer o uso dos nossos direitos porque lutamos muito para alcançá-los.

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